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Juntamente com a exposição ¨FREUD: CONFLITO E CULTURA¨, organizada pela Biblioteca do Congresso de Washington, e que vem a São Paulo em começos de outubro, será inaugurada no MASP - Museu de Arte de São Paulo - a exposição ¨BRASIL: PSICANÁLISE E MODERNISMO¨, contendo mais de 300 obras e documentos variados relativos a esse tema, com a curadoria de Leopold Nosek, Mariângela Moretzsohn e Olívio Tavares de Araújo. A exposição brasileira demonstra cabalmente uma tese já conhecida mas nunca antes examinada nesse nível: a de que muito precocemente as idéias freudianas penetraram no Brasil, através sobretudo dos poetas e pensadores do modernismo, e marca profundamente a produção intelectual deles. Na Europa, Freud só entra definitivamente nos domínios da arte e da cultura a partir de 1924, com o movimento surrealista francês. No Brasil, isso acontece antes. Abertura e resistência Segundo a curadoria da exposição brasileira o Brasil é um país jovem, curioso, receptivo, sincrético, aberto a todos os imigrantes, simbioses e novidades, que possam contribuir para sua vitalidade. "Certamente por isso, Freud chega à intelligentsia brasileira tão cedo, fornecendo aos modernistas subsídios básicos para sua revolução ideológico-estética". Cronologicamente, o primeiro modernista a conhecer Freud deve ter sido Oswald de Andrade, que em 1910 fez sua primeira viagem à Europa. Mas o primeiro a lê-lo atentamente deve ter sido Mário de Andrade, com seu espírito organizado e diligente. Para esta exposição, as obras dos dois Andrades (que não eram parentes) foram integralmente relidas por uma equipe de mais de 20 psicanalistas, coordenada pela psicanalista Maria Ângela Moretzsohn, outro dos curadores. Coube à Dra. Maria Ângela fixar as linhas e prioridades da pesquisa e peneirar os resultados. Além das de Mário e Oswald, foram ainda percorridas as obras completas de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Sérgio Milliet. Foram também examinados a produção literária de Flávio de Carvalho, os livros sobre arte de Osório César, psiquiatra e crítico de arte, os escritos de outros médicos, neurologistas e psiquiatras da época (como Franco da Rocha, o criador do Hospital do Juquery, e Antônio Austregésilo) e autores hoje esquecidos mas que se interessaram muito cedo pelo assunto: Genserico Pinto, Luiz Ribeiro do Valle, Medeiros e Albuquerque. "O caso mais curioso é sem dúvida o de Carlos Drummond", observa Maria Ângela Moretzsohn. "A poesia dele bebe profundamente no sub-consciente e até ilustra noções freudianas, como catarse. Mas no nível consciente ele parece ter uma espécie de resistência à psicanálise e a trata às vezes à distância, às vezes com ironia". As idéias de Mário Dentre os modernistas, Mário de Andrade (que foi ao mesmo tempo poeta, romancista, crítico de arte e professor de música no Conservatório Paulista) é o que mais teorizou sobre a criação literária e artística. Suas idéias nessa área refletem claramente as de Freud. Sabe que a arte nasce do inconsciente mas adquire forma e se torna arte com o trabalho. "Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi", afirma ele no "Prefácio Interessantíssimo" de Paulicéia Desvairada (1922) . Completa, em A Escrava que não é Isaura (1925): "A reprodução exata do subconsciente quando muito daria , abstração feita de todas as imperfeições do maquinismo intelectual, uma totalidade de lirismo. Mas lirismo não é poesia". Freud está presente também em seu romance Amar, Verbo Intransitivo - cujos personagens são moldados (como ele mesmo reconhece em cartas) segundo seus modelos - e é citado, de brincadeira, até em Macunaíma. Enfim, Mário olha para si mesmo à luz dos conceitos freudianos. "Meu pai foi positivamente um homem estupendo", conta numa carta a Álvaro Lins, "Mas é estranhíssimo: eu nunca pude "perdoar" (é bem o termo!) meu pai! E não se trata não de nenhum complexo de Édipo, sobre isto tenho mais que me analisado. Jamais senti por minha mãe nenhum amor confusionista, nem mesmo fui filho mimado". Ao contrário de outros modernistas (que a podem ter aprendido de orelhada, porque estava pairando no ar), Mário de Andrade levou o conhecimento da Psicanálise a sério. Leu-a em francês - não em alemão - desde pelo menos o começo da década de 20. Sobreviveram em sua biblioteca seis livros de Freud, com anotações à margem, e uma dezena de outros autores. Ao mesmo Álvaro Lins, confessa: "Admiro profundamente Freud e tirando a generalização sexualista, mais dos seguidores dêle do que dêle próprio (Freud que nem Darwin está sendo vitima dos que não o leram, ou o tresleram, você já reparou?) é incontestável que ele deu um passo imenso na psicologia. (...) De Freud acho que me utilizei sempre que se trate de psicologia". Oswald: iconoclasta e antropófago Oswald de Andrade foi o enfant terrible do modernismo, sempre provocador, brilhante e iconoclasta. Acolheu Freud barulhenta e espetacularmente, muitas vezes com ironia, mas reconhecendo nele sem hesitar - ao lado de Nietzsche e Marx - uma das três matrizes que moldaram o homem do século XX. Cita-o três vezes no "Manifesto Antropófago", com o qual lança a "antropofagia", sua proposta de releitura da cultura brasileira. Na segunda dentição da Revista de Antropofagia (após março de 1929), cria um pseudônimo chamado Freuderico, fazendo um trocadilho ou com Frederico Nietzsche, o apocalíptico, ou com o revolucionário Frederico Engels. É ainda na Revista de Antropofagia que aparece a saudação: "Viva Freud e nosso padrinho Padre Cícero". Freud transita na aguerrida produção teórica de Oswald até os anos 50. Politicamente ele tem suas diferenças com a Psicanálise, que considera privilégio de classe. Eis um diálogo de O Rei da Vela: "- Ela é um personagem do gracioso Wilde. Eu sou um personagem de Freud! - Quê? - A senhora não conhece Freud? O último grande romancista da burguesia?" Apesar disso, há informações de que nos anos 20 ou 30 instalou seu próprio divã, passando a 'analisar' os amigos. Não há provas, mas seria perfeitamente possível. Nas artes visuais "Não seria correto dizer que as artes plásticas reflitam ou traduzam conceitos de Freud, já que as obras de arte não são feitas de idéias e sim de formas", salienta o curador Olívio Tavares de Araújo. "Mas é claro que o advento da Psicanálise no século XX atua sobre todos os artistas enquanto indivíduos, em sua maneira de pensar e ver o mundo, e isso acaba se traduzindo em questões de linguagem e em novos conteúdos formais". Entre os artistas modernistas brasileiros, isso acontece com Tarsila do Amaral, Ismael Nery, Cícero Dias e Flávio de Carvalho. Em torno de 1930, procuram liberar imagens inconscientes que escavam dentro de si mesmos. É um procedimento mais intuitivo e espontâneo que programático, mas ainda assim consciente. Trata-se de uma revolução estética só possível após a revolução freudiana. Tarsila, Ismael Nery, Cícero Dias e Flávio de Carvalho estarão representados na exposição ¨BRASIL: PSICANÁLISE E MODERNISMO¨. Um outro segmento exporá obras de artistas posteriores ao modernismo, mas em cujas produções a questão do inconsciente aflora nitidamente. São eles Leonilson, Farnese de Andrade, Aurora Cursino (uma ex-interna do Sanatório do Juquery) e Chico Tabibuia (um espontâneo do estado do Rio). |